A sequência de julgamentos do Supremo Tribunal Federal consolidou, em poucos dias, cinco vetores relevantes para a prática forense: a confirmação da constitucionalidade do art. 2º, I, da Lei 11.101/2005 no tocante às estatais; a validade e a vinculação de destinação da CIDE-Remessas (Leis 10.168/2000, 10.332/2001 e 11.452/2007); a ilegitimidade do credor fiduciário para o IPVA antes da consolidação da propriedade plena; a possibilidade de extinção de execuções fiscais de baixo valor por falta de interesse de agir, condicionada a medidas extrajudiciais prévias; e a exigência de lei formal para altura mínima em cargos do Sistema Único de Segurança Pública, alinhada aos parâmetros da Lei 12.705/2012. Este artigo organiza os efeitos normativos, a lógica constitucional subjacente e roteiros de atuação imediata.
1) Empresas estatais fora do regime de falência/recuperação judicial (Tema 1.101 – RE 1.249.945)
O STF fixou tese no sentido da constitucionalidade do art. 2º, I, da Lei 11.101/2005, que exclui empresas públicas e sociedades de economia mista do regime falimentar e recuperacional, mesmo quando atuem em mercado concorrencial. A ratio decidendi dialoga com dois pilares: o interesse público/ coletivo que justifica a própria criação dessas entidades e o princípio do paralelismo das formas, pelo qual o regime de criação, reorganização e extinção de entes instrumentalmente públicos deve guardar simetria com o processo legislativo que os instituiu.
Implicações práticas: (i) inviabilidade de pedidos de falência e de processamento de recuperação judicial contra EP/SEM; (ii) redirecionamento das pretensões de credores para vias compatíveis com o regime jurídico público-híbrido dessas entidades (execução comum, cumprimento de sentença, solução consensual, governança e saneamento por instrumentos próprios); (iii) reestruturações de porte dependem de atos normativos e governança estatal, não de juízo universal falimentar. Para contenciosos em curso, a alegação de inadequação da via e carência de ação torna-se argumento central, com reflexos em competência, constrições e ordem de pagamento.
2) CIDE-Remessas: constitucionalidade e destinação vinculada a Ciência & Tecnologia (Tema 914 – RE 928.943)
O Tribunal reconheceu a validade da contribuição de intervenção no domínio econômico instituída pela Lei 10.168/2000 (com as alterações das Leis 10.332/2001 e 11.452/2007), reafirmando sua finalidade: financiar o Programa de Estímulo à Interação Universidade-Empresa para apoio à inovação. A tese agrega um segundo eixo: a arrecadação da CIDE deve ser integralmente aplicada na área de Ciência e Tecnologia, nos termos legais.
Implicações práticas: (i) enfraquecimento de teses voltadas à inconstitucionalidade “em tese” da exação; (ii) fortalecimento do controle de destinação orçamentária, com legitimidade para auditoria e controle externo/ social sobre eventual desvio de finalidade ou contingenciamento incompatível com a lei; (iii) deslocamento do contencioso para temas operacionais (alcance do fato gerador, base de cálculo, incidências específicas e regimes de isenção/dispensa). Na consultoria, recomenda-se mapear a aderência de políticas públicas de inovação ao fluxo arrecadado, reforçando compliance orçamentário.
3) IPVA e alienação fiduciária: quem responde? (Tema 1.153 – RE 1.355.870)
A Corte declarou inconstitucional eleger o credor fiduciário como contribuinte ou responsável pelo IPVA incidente sobre veículo alienado fiduciariamente, ressalvada a hipótese de consolidação da propriedade plena no credor. O alinhamento com os conceitos do CTN (arts. 121 e 128) é evidente: enquanto não consolidada a propriedade plena por inadimplemento e cumprimento dos requisitos legais (v.g., Decreto-Lei 911/1969), o polo passivo do IPVA recai sobre quem detém, em essência, a propriedade útil/uso e gozo do bem — o devedor fiduciante.
Implicações práticas: (i) bancos e financeiras passam a sustentar, com respaldo vinculante, a ilegitimidade passiva em execuções de IPVA anteriores à consolidação; (ii) defesa adequada via exceção de pré-executividade, juntando prova documental do estágio da garantia; (iii) após a consolidação, a sujeição do credor ao tributo se restabelece, impondo gestão ativa do marco temporal e comunicação interbancária com fiscos estaduais para mitigar autuações reflexas.
4) Execução fiscal de baixo valor: eficiência como filtro de interesse de agir (Tema 1.184 – RE 1.355.208)
O STF assentou a legitimidade da extinção de execução fiscal de baixo valor por ausência de interesse de agir, à luz do princípio da eficiência administrativa (art. 37 da Constituição), respeitadas as competências federativas. Entretanto, modulou a via adequada: antes do ajuizamento, os entes devem, como regra, (a) tentar conciliação/solução administrativa; e (b) promover o protesto da CDA (Lei 9.492/1997 com a redação da Lei 12.767/2012). Em processos já em trâmite, admite-se a suspensão para adoção dessas providências, com ciência do juízo sobre o prazo.
Implicações práticas: (i) Procuradorias precisam parametrizar “baixo valor” com critérios objetivos e matriz de custo-benefício, incorporando rotinas de cobrança administrativa e protesto; (ii) contribuintes podem suscitar carência de ação quando ausentes tais medidas prévias, pleiteando extinção ou suspensão para tentativa extrajudicial; (iii) o filtro não é monetário “absoluto”: a justificativa de eficiência pode legitimar o ajuizamento, desde que tecnicamente demonstrada a inadequação do protesto/ conciliação ao caso concreto.
5) Altura mínima no SUSP: reserva legal e parâmetros da Lei 12.705/2012 (Tema 1.424 – RE 1.469.887)
A exigência de altura mínima para ingresso em cargos do Sistema Único de Segurança Pública depende de lei formal e deve observar os parâmetros previstos para a carreira do Exército (Lei 12.705/2012): 1,60 m para homens e 1,55 m para mulheres. O STF reitera, aqui, a reserva legal em restrições de acesso a cargos públicos e a necessidade de proporcionalidade objetiva, afastando critérios infralegais ou discricionários que destoem dos padrões legais.
Implicações práticas: (i) editais e portarias sem base legal específica ou com parâmetros diversos dos legais são inválidos; (ii) candidatos eliminados exclusivamente por altura em fundamento infralegal possuem tese robusta para anulação do ato e prosseguimento no certame; (iii) administrações devem promover revisão normativa para harmonização com a Lei 12.705/2012, sob pena de litigiosidade massiva.



